Mapeamento de fluxo de valor simplificado para a logística lean
Logística lean é a prática contínua de melhoria do fluxo de valor ao cliente e de redução das perdas na logística interna e externa. Seguindo essa lógica, o mapeamento de fluxo de valor foi adaptado à disciplina logística e simplificado para uso neste estudo de caso, a fim de focar nos resultados, e não na ferramenta. A meta específica deste caso é reduzir o
tempo de entrega em 16%, e será demonstrado a seguir como isso pode ser feito utilizando menos meios para atingir esse objetivo.
Este caso está centrado em duas questões muito caras às empresas de logística: reduzir o tempo de entrega e utilizar menos tempo da equipe para fazer essa melhoria.
Reduzir os tempos de entrega de produtos perecíveis significa atender melhor aos clientes e aumentar o diferencial competitivo da empresa. Muitos projetos de melhoria não são levados adiante porque a equipe está sobrecarregada com as tarefas do dia a dia, de modo que um método que utilize menos recursos é muito bem-vindo para os gestores. Utilizar menos recursos e tempo para obter o mesmo resultado significa aumentar o retorno sobre o investimento em melhorias. Significa custo menor de projeto.
Significa tornar viável um projeto quando as pessoas não dispõem de tempo. Portanto, fica implícito que a empresa nesta situação precisa de ajuda externa ou consultoria.Do ponto de vista da empresa, a melhor decisão é contratar o profissional de consultoria que consiga re-alizar mais em menos tempo. Do contrário, estará pagando menos reais por hora, mas o custo total em reais poderá ser maior porque o projeto será mais demorado.Do ponto de vista da consultoria, o desafio é simplificar os métodos existentes, melhorando os resultados.
Simplificar não é fácil quando os objetivos não são reduzidos. É missão da consultoria agregar valora o cliente e reduzir seu esforço. Complicar é mais fácil e passa ao cliente a impressão de sofisticação. A dificuldade em simplificar é similar à dificuldade desintetizar um texto de quatro páginas em somente uma página, mantendo a mesma mensagem. A ferramenta utilizada foi o Mapa de Fluxo deValor (Value Stream Map), simplificado para aplicação na empresa em questão. O caso se refere ao trabalho realizado em uma usina de produção e distribuição de concreto. Essa unidade produz concreto usinado misturando o agregado (areia e brita) com cimento, que fica armazenado em um silo com bocal de saída no ponto de carregamento dos caminhões--betoneira. O agregado, armazenado em silos, é levado via transportadora de correia até o ponto de carga, onde é misturado com o cimento.
Uma central com sistema supervisório controla os volumes dos componentes, suas proporções e o carregamento dos caminhões-betoneira.Problemas, dificuldades e desafiosA unidade de concreto usinado em questão tinha problemas relacionados à entrega dos pedidos. A gerência Comercial reputava à sazonalidade da demanda a razão de sua improdutividade. Relatava que 20% dos pedidos de entrega eram reprogramados. Esses fatores externos eram tidos como os responsáveis pelas per-das de tempo da operação e pela baixa produtividade. A programação de entregas era rudimentar, feita num quadro branco, utilizando-se de critérios pessoais do programador e com informações incompletas acerca dos detalhes da entrega. Um grupo de trabalho liderado pelo setor de TI havia se dedicado à melhoria da programação, mas a produtividade não aumentou. O sistema de informações gerenciais da empresa coletava os tempos da operação, mas estes eram visíveis somente à gerência da empresa. Eventualmente, os gerentes olhavam para os tempos realizados, mas raramente tomavam alguma ação direta para melhorá-los.Havia pelo menos três razões para isso. Primeiro, os processos operacionais não eram totalmente conhecidos pela gerência. Segundo, os operadores não reconheciam a importância de seus processos individuais em relação à operação como um todo. Em terceiro lugar, não eram conhecidos sistemas gerenciais, como a logística lean, nem ferramentas, como o MFV, que mostrassem onde melhorar e qual o impacto da melhoria nos tempos da operação.Somados a essas dificuldades havia ainda problemas que são comuns à maioria dos projetos de melhoria, como a escassez de tempo da gerência, que se dividia entre a matriz da empresa e mais três unidades de concreto usinado. Os operadores (incluindo pessoal da produção e motoristas) trabalhavam diretamente na operação, de modo que retirá-los de suas atividades era difícil. Os motoristas, evidentemente, passavam a maior parte do tempo realizando atividades externas à usina de concreto. Também não era fácil reunir o pessoal de turnos diferentes. Por isso, a gerência definiu critérios desafiadores para executar a melhoria:economia de tempo da equipe; rapidez no diagnóstico e na implementação da solução; economia de custos na contratação de consultoria externa; estabelecimento de uma meta quantificável; demonstração clara de como atingir a meta; eficácia da solução proposta; e foco na redução do lead time.Os tempos reais da operação eram disponibilizados somente para a gerência, que raramente tomava alguma ação para baixá-los. Medidas específicas de melhoria de produtividade eram difíceis, se não impossíveis, de serem aplicadas com base nos dados agregados de tempo das operações. Os tempos de entrega, por exemplo, eram agregados em quatro categorias: tempo de carregamento, tempo de trajeto, tempo de descarga e tempo de retorno. Oportunidades A gerência Comercial conhecia o caso da Cemex, gigante global do mercado de materiais de construção, que desenvolveu um sistema capaz de solucionar a variabilidade da produção e da distribuição, os tempos de preparação e o nivelamento da capacidade. Conhecia também, através da literatura, os resultados alcançados na Cemex:
• A janela de tempo de entrega caiu para 20 minutos;
• O índice de atendimento atingiu 98%;
• Aumentou sua participação para 60% do mercado mexicano de cimento;
• A margem líquida (ex-impostos-depreciação amortização) passou de 21% para 35%;
• Foi considerada naquele momento a empresa “mais admirada do México” e uma das “100 mais bem gerencia-das do mundo”.Entretanto, esses resultados estavam amparados no investimento maciço em tecnologia de integração da cadeia de suprimentos, o que representava uma barreira financeira e tecnológica para a empresa deste es-tudo de caso.Quando a gerência tomou conhecimento sobre a logística lean, passou a considerá-la como uma solução debaixo custo e potencialmente eficaz. O entendimento das sete perdas daria uma visão ampla das oportunidades.A gerência percebeu que, com a aplicação de um MFV simplificado, seriam atendidas suas expectativas quanto a uma solução barata, rápida e com baixa utilização de recursos humanos:
• Economia de tempo utilizado pela equipe no projeto;
• Rapidez no diagnóstico dos problemas e implementação das soluções;
• Economia de custos na contratação de consultoria externa, devido ao menor tempo de execução orçado;
• Projeto baseado no estabelecimento de uma meta clara e mensurável; Demonstração clara de como atingir a meta;
• Eficácia da solução proposta baseada nos exemplos levantados a priori, tal como a demora causada pelos caminhões, que esperavam para se posicionar no ponto de carregamento;
• Foco na redução do lead time, a fim de reduzir os problemas de prazo de entrega. Com a aplicação do MFV simplificado, alguns problemas óbvios passariam a ser enxergados pela gerência. Enfim, a gerência percebia razoavelmente que, através da aplicação da logística lean, a necessidade de investimentos em ativos seria nula ou quase nula, haveria aumento de produtividade, redução de tempos de resposta e diminuição de custos. Simplificações possíveis no MFVAs soluções comumente propostas pelo MFV reduzem as perdas e não contribuem necessariamente para a agregação de valor, exceto pela redução do lead time no ambiente make-to-order.
Não é em todos os casos que a redução de prazos se traduz em agregação de valor, como é o caso da entrega de embalagens, quando o cliente não quer recebê-las antes para não tomar seu espaço de armazenagem.Por isso é válido perseguir somente o combate às per-das por meio de um MFV simplificado. Não é necessário, também, apontar soluções como a puxada e o nivelamento. Isso não impede, entretanto, que a análise do mapa de fluxo simplificado inspire alterações no produto ou ser-viço que agreguem valor ao cliente. O MFV simplificado, portanto, não fi ca necessariamente limitado à redução de perdas, embora seja o foco deste caso.O objetivo de mapear o fluxo de valor é destacaras fontes de desperdício atuais e eliminá-las por meio da implementação de um estado futuro melhorado.Colocando-se a eliminação de desperdícios como objetivo principal, torna-se secundária a formalização de um mapa futuro, principalmente quando não se justifica a solução usual (com nivelamento, puxada e redução de lotes). Casos reais exigem soluções per sonalizadas.
Mais uma simplificação, então, torna-se possível: expressar as melhorias – em vez de num mapa futuro – através de um plano de ação. Esse plano de ação pode, inclusive, não estar completo na primeira tentativa. Ele pode ser incrementado à medida que sejam encontradas as soluções para os problemas restantes, menos importantes.Resumem-se, portanto, as simplificações possíveis até aqui, sem prejuízo para o propósito fundamental do mapeamento do fluxo de valor:
• Apontar os desperdícios ou perdas, sem a preocupação a priori de buscar agregação de valor;
• Expressar as melhorias futuras como um plano de ação simples e incremental.Quanto maior a agregação de dados, maior será a razão entre o valor adicionado e o valor não adicionado (VA/NVA), porque quanto mais detalhada for a medição, quanto mais detalhado for o MFV, mais per-das serão encontradas. Ou, equivalentemente, a razão dos tempos TVA/TNVA será maior quanto maior for a agregação dos dados, dando a falsa impressão de que o quociente de adição de valor é maior do que o pro-cesso real. Mas isso não impede que se comece comum MFV com dados agregados e se vá detalhando oMFV à medida que se faça necessário aprofundar as melhorias, porque o que importam são as melhorias em relação àquele referencial de quociente de valor agregado. Na próxima onda de melhorias poder-se-ia detalhar mais o MFV e estabelecer um novo quociente de adição de valor como nova referência para as próximas melhorias.Existem, então, outras simplificações possíveis:
• Elaborar o MFV com dados agregados, isto é, descrevendo somente os maiores desperdícios;
• Tornar as melhorias escalonáveis à medida que osMFVs forem detalhados, identificando e incluindo outras perdas no mapa de fluxo. Se a ênfase está na eliminação dos desperdícios, continua sendo fundamental que a simplificação não ignore a mensuração dos tempos de ciclo e do leadtime. É a diferença entre ambos que mostra o potencial de eliminação de desperdícios, dado que a maioria das perdas implica o aumento nos tempos das atividades, que por sua vez eleva os custos. Por isso é tão importante a correta interpretação do tempo de ciclo e do lead time.Tempos do processoTempo de ciclo do lote. Pode-se medir o tempo de ciclo na produção de um lote: o tempo decorrido entre o início da primeira peça do lote até o início da primeira peça do lote seguinte. Note que, se houver set up, o tempo de set up estará dentro do tempo deciclo do lote.É importantíssimo observar que o lead time é maior do que a soma dos tempos de ciclo de lote, porque há perdas de tempo entre a produção dos lotes.Tempo takt equivalente. O tempo takt equivalente de uma peça é o tempo decorrido entre a finalização de uma peça e a finalização da peça seguinte.Esse é o próprio tempo takt, se a taxa de produção for igual à taxa de demanda. Esse tempo não é um tempo de ciclo.Tempos da operaçãoTempo de ciclo do operador unitarefa. Um operador pode preparar a máquina A, alimentá-la e ficar olhando esta terminar o lote até que comece a alimentá-la novamente. Esse é o tempo de ciclo do operador. Nesse caso o tempo de ciclo do processo é igual ao tempo de ciclo do operador. O tempo de ciclo do operador poderia ser menor se o operador, em vez de ficar olhando a máquina produzir, fosse fazer outra tarefa.Tempo de ciclo do operador multitarefa. Um operador pode caminhar até a máquina A, prepará-la (set up), alimentá-la, ligá-la, caminhar até a máquina B, prepará-la, alimentá-la, ligá-la e caminhar até a máquina A novamente. O intervalo decorrido, desde ligar a máquina, caminhar até a outra máquina, prepará-la, alimentá-la e ligá-la, é o tempo de ciclo do operador multitarefa. Este não se confunde com o tempo de ciclo do processo que ocorre na máquina A nem com o do processo que ocorre na máquina B.Podem ocorrer duas situações: (1) o operador fica ocioso entre as preparações das duas máquinas, o que representa cus-to, mas não atrasa o processamento dos materiais e não aumenta o lead time; ou (2) as máquinas ficam esperando pelo operador para pro-cessar os materiais, oque implica atrasar o processamento dos materiais e aumentar o lead time.Diminuir a ociosidade do operador na situação 1 não diminuirá o lead time, ou seja, melhorar a operação, neste caso, não melhorará o processo. Na situação 2, para diminuir o lead time é necessário aumentar a produtividade do operador. Uma melhoria na situação 1 representaria somente redução de custos. Uma melhoria na situação 2 representaria redução de lead time e de custos. Uma melhoria na situação 2 é uma melhoria do processo e da operação.Portanto, entendidas as diferenças entre processos e operações, fica claro que é melhor manter o foco na melhoria dos processos, aperfeiçoando o fluxo de materiais e reduzindo os lead times.Mapa do fluxo de valor simplificado. Comecemos explorando o MFV simplificado que foi utilizado no caso.
O mapeamento de fluxo de valor realizado está representado graficamente na figura 1.Nela estão escritos os principais desperdícios encontrados, sem a intenção de escrever todas as perdas observadas, mas somente aquelas que relembram a equipe sobre o que foi discutido e aprendido. Muito da história dos processos fica como conhecimento tácito para as pessoas que participaram das reuniões de equipe e da observação in loco.Na parte superior da figura estão descritos os processos de informação, que vão desde a visita do fiscal ao local onde será feita a aplicação do concreto até a convocação do motorista. Destaca-se o desperdício oriundo da programação, que gera o mau aproveita-mento dos primeiros horários do dia, quando os motoristas perdem tempo para se organizarem para as primeiras entregas.Na porção central do mapa, observa-se a anotação para o caminhão-lança indicando que o local de aplicação não está preparado antecipadamente, gerando atrasos na aplicação do concreto. Há ocasiões, por exemplo, em que não há espaço para posicionar o caminhão-betoneira junto ao caminhão-lança. A porção inferior do mapa mostra os processos que começam com os caminhões aguardando na fila para se deslocarem para o ponto de carregamento até o retorno do caminhão à usina.Bem embaixo estão as anotações de tempo dos processos agregados. Esses tempos seguiram a convenção de tempos contida no relatório gerencial da empresa: tempo de carregamento, tempo de trajeto (tempo de transporte até a obra), tempo de espera (para descarregar), tempo de descarga (aplicação do concreto na obra)e tempo de retorno.Utilizando a mesma convenção de tempos, aproveitaram-se as informações do relatório gerencial da empresa para monitorar os tempos reais da operação.É importante ressaltar que o tempo de espera assina-lado no mapa não significa o tempo total de espera.Há outros tempos de espera (tal como definido nas sete perdas do lean) dentro dos outros processos. Por exemplo, quando o caminhão está parado aguardando a nota fiscal, a carga é submetida a um tempo de espera pela emissão e a outra espera pela entrega da nota ao motorista. Portanto, duas oportunidades de redução de tempo.Uma vez concluído o MFV simplificado, os desperdícios foram identificados, as oportunidades foram elencadas e algumas possíveis soluções já foram discutidas.Os próximos passos serão o estabelecimento de metas e o desenvolvimento do plano de ação para alcançar essas metas, descritos na segunda parte do artigo. Nela, também será descrita a sequência para a elaboração doMFV simplificado.
Fonte: Rogério Garcia Bañolas - Sócio-consultor na Prolean - banolas@prolean.com.br