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RH Estratégico se Espalha

Um número crescente de empresas do Brasil entende que a gestão de pessoas pode alavancar o crescimento


Imagine que uma empresa planeja crescer dez vezes em dez anos. Por onde ela deve começar? No Brasil, cada vez mais executivos respondem: “Pelo departamento de recursos humanos”. Efeito colateral da crise, companhias de diferentes setores e portes querem que todos os seus profissionais trabalhem pelo crescimento. Isso tem feito emergir o modelo estratégico de RH, alternativo ao tradicional RH operacional, muito associado ao maior símbolo de sucesso brasileiro das últimas décadas, a Ambev, do Fundo 3G. Agora, ao mesmo tempo que os modelos de negócio passam por uma “uberização”, alguns enxergam a “ambevização” do RH, inclusive em companhias de menor porte. Um gestor de gente “ambevizado” é aquele que fala a língua do Ebitda. Ele participa das reuniões executivas tomando decisões conjuntamente com as outras áreas. Guia-se por princípios meritocráticos e já passou por outras áreas de negócios.


“O profissional de RH estratégico traduz produtos e processos de negócios em pessoas mais geradoras de resultado para a empresa”, explica Josué Bressane Jr., que foi gestor da Ambev na época da transformação de seu RH e durante 14 anos e hoje é sócio-diretor da consultoria Falconi Gente. Segundo o executivo, ao longo do tempo, multinacionais dos setores farmacêutico e automobilístico e dos segmentos bancário, químico e petroquímico também adotaram um RH semelhante ao da Ambev puxadas por suas matrizes.


A ambevização, contudo, é só um dos caminhos para o RH estratégico que ganha força no Brasil. Outro é o dos business partners (BPs), ou consultores internos. Nesse modelo, que começou a ser disseminado também no final do século 20 por especialistas como o norte-americano David Ulrich, o head de RH participa das decisões estratégicas da empresa e, com esse conhecimento, define a estratégia de pessoas, enquanto BPs acompanham as áreas de negócios – marketing, vendas, finanças, operações etc. – para atender a suas demandas do dia a dia, acionando especialistas do RH em cargos e salários, treinamento, recrutamento e seleção sempre que necessário. Grandes empresas como Johnson & Johnson, Unilever, Alcoa, Volvo e Serasa seguiram por esse caminho, como explica Luis Felipe Cortoni, sócio-diretor da consultoria LCZ Desenvolvimento de Pessoas e Organizações. Um terceiro caminho é uma proposta de RH que combine conhecimento dos negócios com conhecimento das emoções e expectativas individuais e de equipes, muitas vezes associada a empresas de educação corporativa. Angela Maciel, diretora de capital humano da HSM Educação Executiva, defende a atuação do RH no negócio e com as pessoas – “afinal, sempre são as pessoas que fazem a empresa ser o que ela é” –, mas se preocupa com a eventual desumanização da função, em especial quando ocupada por quem vem de áreas sem expertise de pessoas, como comercial, financeira, industrial ou logística. Luis Lobão, diretor da HSM Performance, explica: “Em termos de habilidades e competências, o RH mais ligado ao negócio funciona bem, e pessoas têm emoções e expectativas – fica muito mais fácil engajá-las no negócio se essas coisas forem levadas em conta”.


Em comum, os defensores das três abordagens acreditam que o gestor de RH de hoje tem de saber colocar as pessoas certas nos lugares certos e que, se ele não for a campo entender os problemas (seja dos negócios, seja das pessoas), não conseguirá fazê-lo. Todos também apostam, com mais ou menos ênfase, nas competências-chave do RH estratégico que aparecem no novo livro de David Ulrich, Victory Through Organization, publicado este ano: o profissional de RH por excelência deve ser estrategista, ativista confiável e navegador de paradoxos.


O MODELO AMBEV

Segundo o modelo ambevizado, o gestor de RH deve buscar contribuir com a empresa tanto em custos mais competitivos como em pessoas mais produtivas, gerando mais resultado. E ele deve ser capaz de enxergar como o negócio vai crescer do ponto de vista das pessoas.

e acordo com o sócio-diretor da Falconi Gente, o RH tem a função de tomar decisões com o presidente. “O RH da escola Ambev não fica sob o administrativo-financeiro; ele é par dos demais executivos. Participa, obviamente, de decisões relacionadas com demissões e contratações, mas, antes disso, já foi envolvido na estratégia do negócio”, diz Bressane Jr. Conforme o especialista, sobram evidências de que empresas com RH parceiro do CEO têm melhores resultados.


Entre as companhias que começam a adotar um RH ambevizado por meio da Falconi Gente está uma varejista, que não autorizou a divulgação de seu nome, talvez pelo tamanho do desafio: de um lado, tem alta rotatividade de pessoas, muitas das quais em funções operacionais como caixa e repositor; de outro, possui metas agressivas de ampliar seu faturamento dez vezes em uma década. “Seu controlador já entendeu que isso não será possível sem um RH estratégico”, afirma Bressane Jr. A Falconi Gente vem trabalhando o modelo também com pequenas e médias empresas, surpreendidas por mudanças expressivas no mercado e em velocidade cada vez maior. A Escola Ambev, pela alta competitividade, também tem riscos. Seus críticos afirmam que é preciso manter sua essência, mas fazendo um “detox” em relação à competitividade excessiva, que gera estresse e é difícil de sustentar no longo prazo.


O MODELO BP

“Quem manda é o negócio – essa é a lógica geral por trás do modelo de business partners, que conta com profissionais de RH generalistas, os BPs, e especialistas”, destaca o consultor Luis Felipe Cortoni. O BP deve entender de gestão de pessoas e ter conhecimento de negócios, para que as estratégias delineadas estejam alinhadas às duas pontas e gerem resultados para a companhia. Ele tem de manter uma boa relação tanto com os especialistas de RH como com os gestores das áreas de negócios, desempenhando para os últimos o papel de conselheiro. Em outras palavras, o BP influencia as decisões de gestão de pessoas e a cultura organizacional, além de responder especificamente pelas seguintes tarefas:


• Fazer análise do engajamento e do comportamento dos funcionários.

• Diagnosticar e dar suporte de consultoria no desenvolvimento da organização.

• Dar suporte para que missão, visão e valores sejam transformados em comportamentos específicos.

• Oferecer apoio a gestores de linha em questões e demandas de gestão de pessoas.

• Ter insights sobre como direcionar pessoas para a realização dos objetivos do negócio.

• Entregar o que o negócio necessita ou requer para alcançar uma performance excelente.

• Ajudar os colaboradores a encontrar significado e bem-estar no trabalho. O modelo BP também embute ao menos três riscos. O primeiro é o da estrutura matricial entre os generalistas (os BPs) e os especialistas do RH. Cortoni destaca que especialista e BP devem conversar, mas, se não há diálogo, um acaba entrando na tarefa do outro. O segundo risco é o de a proximidade do BP com uma área de negócio específica provocar desalinhamento nas políticas e programas de RH. “A posição do BP deve ser no centro, sem pender para nenhum lado, seja a área que atende, seja o RH ou os colaboradores.” O terceiro risco está no ruído que a figura do BP sempre causa em uma estrutura organizacional. Ao interferir nas áreas de negócios, esse profissional incomoda e, se for sabotado, pode perder sua utilidade.


O MODELO HSM

O princípio que rege o modelo de RH estratégico da HSM é este: qualquer ação de RH que não leve em consideração os dois lados – as pessoas e o negócio – tem grandes chances de não trazer resultado para a companhia. “É uma dobradinha; não adianta ir à frente com um e deixar o outro para trás”, diz Angela Maciel.


O RESGATE DE MASLOW

A teoria das necessidades humanas, também conhecida como “Pirâmide de Maslow”, que teve seu auge no século passado, está sendo resgatada, ao menos entre as pequenas e médias empresas – não somente do ponto de vista das ferramentas ligadas à motivação dos colaboradores, mas porque conversa com o negócio. “Maslow é atual porque as necessidades humanas não mudam e, graças a ele, cada vez mais gestores entendem que compartilhar o lucro com os funcionários gera muito valor, pois eles ficam mais comprometidos e passam a ter postura de dono, trazendo melhores resultados para o negócio”, avalia Josué Bressane Jr., da Falconi Gente. As necessidades sociais, que aparecem na pirâmide, são mais atuais do que nunca em tempos de redes sociais. “Maslow ajuda as empresas a entender que devem facilitar as relações entre as pessoas e não dificultar, porque a necessidade de pertencer a um grupo e de interagir é da natureza humana”, enfatiza o especialista. Maslow também ensina que o nível das necessidades difere de um indivíduo para outro e que, por isso, não é indicado ter um programa-padrão de recursos humanos. “Os programas têm de ser diferentes, porque as pessoas são diferentes, assim como suas necessidades”, pontua Bressane Jr. A teoria de Maslow ainda pode ajudar as empresas em um desafio particularmente grande na visão da Falconi Gente: atrair e reter talentos. “Ninguém tem uma resposta para isso. A empresa se desdobra para manter as pessoas, paga MBA, oferece bônus etc. e não consegue reter um talento. Às vezes, a pessoa troca de emprego só porque necessita experimentar algo diferente. A habilidade de fazer com que as pessoas vivenciem sempre coisas novas é muito difícil dentro das organizações, mas entender as necessidades é meio caminho andado”, analisa o especialista.


Lobão destaca que há uma tendência crescente de mudar o RH de patamar entre as empresas familiares, e não só com a meta de contribuir para o negócio, mas de engajar as pessoas emocionalmente. Prova disso é que, se até pouco tempo atrás a área costumava ser deixada sob a responsabilidade de algum membro da família, agora há uma busca de profissionalização, apesar de ainda ser muito mais focada em práticas do que em estratégia.


Dois exemplos oferecidos pela HSM são o Grupo Algar e o Laboratório Sabin. O primeiro, holding familiar mineira que atua nos segmentos de tecnologia da informação, agronegócios, serviços e turismo, agora tem uma vice-presidência de RH ocupada por um profissional. Ele faz uma gestão bem próxima ao negócio e, ao mesmo tempo, inclui nas metas empresariais a saúde de seus colaboradores. Já o Laboratório Sabin, empresa familiar com sede em Brasília que cresceu cerca de 1.500% nos últimos dez anos e conta com 3,3 mil funcionários, mantém sua gestão de pessoas focada no desenvolvimento humano, prestando atenção à família, à saúde, à vida financeira, às relações de amizade e aos sonhos de seus funcionários. A crença é que colaboradores com boas condições para exercer seu trabalho e sentimento de realização contribuem mais estrategicamente para o negócio. “A única vantagem competitiva possível de uma empresa hoje são suas pessoas; todo o resto está disponível”, completa Lobão, enfatizando a importância estratégica para o negócio de as pessoas estarem satisfeitas.Um risco nesse modelo é o de a ruptura em relação à antiga abordagem de RH não ser suficientemente percebida e as empresas continuarem presas a ela. Outro perigo diz respeito aos millennials, com anseios e fatores motivacionais bem diferentes dos das gerações anteriores e que podem tornar muito mais complexo o foco desse novo RH nas emoções e expectativas das pessoas.


DESAFIOS

Em regra, empresas de menor porte ou familiares não se acostumaram a ver o RH como gerador de valor, e sim como despesa. Mesmo assim, não têm sido o dono ou o principal gestor os maiores empecilhos para a modernização do RH ali. Na visão de Bressane Jr., as próprias pessoas que trabalham nas áreas de recursos humanos não se interessam pelos negócios e não querem chamar a responsabilidade para si. Se a pessoa se acomodar, não correr atrás e não mudar seu modelo mental, com certeza vai perder o emprego.A formação acadêmica no Brasil também tem uma parcela dessa culpa. Os cursos de administração, que oferecem uma visão ampla de negócios, dão pouca ênfase a recursos humanos, e menos ainda o fazem em tom estratégico. Isso não desperta em seus alunos o interesse em trabalhar na área de RH, o que, como um autêntico círculo vicioso, faz com que os profissionais de RH não se formem em escolas de negócios, mas em outros cursos, sendo, portanto, fracos em negócios.


AUTOSSERVIÇO E FUTURO

Nos dias de hoje, menosprezar uma vaga de trabalho em RH como oportunidade profissional é um erro, na visão de Bressane Jr.; não importa por qual caminho, o RH está ficando cada vez mais estratégico. “Isso já tem sido visto na Ambev, que é precursora. Vários engenheiros que trabalharam comigo como trainees são hoje vice-presidentes ou diretores da área de RH em organizações de grande porte. Há outros que passaram pelo RH e são presidentes. Tenho absoluta certeza de que a experiência na área de RH com foco em resultado os levou a esses patamares.”Além disso, o velho papel operacional do RH está sujeito à automatização. Cortoni confirma a tendência em direção ao autosserviço, com a digitalização. A maior parte das demandas de RH, transacionais, pode ser acessada nos sistemas diretamente pelos gestores de áreas da empresa, deixando o atendimento humano apenas para casos de exceção. É hora de começar a participar de reuniões de projetos, de definição de metas e indicadores de desempenho. O RH que não fizer isso tende a ser engolido por outra área de negócios, como Bressane Jr. já viu ocorrer, por conta de garantir que os processos de pessoas sejam alinhados à geração de resultado. Sem dúvida, o RH estratégico bate à porta das empresas brasileiras.


Fonte: Revista HSM

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